Glosadores comentam entre as linhas (glosas interlineares) ou nas margens (glosas marginais).
Antonio Joaquim Schellenberger Fernandes
O povo na rua, que é sua, emociona, e faz pensar. “O gigante despertou”, abriu os olhos, balança as pernas, estica os braços, e deseja equilibrar-se, na posição vertical. No ônibus todos se encontram. Trabalhadores e consumidores. Da saúde, da educação, da segurança, todos giram a mesma catraca que sustenta o sistema, giram a catraca que oprime, giram a catraca que garante os lucros e reduz a mobilidade. Ainda assim, no ônibus todos se encontram. E se não podem subir na jardineira, sobrelotada e cara, na rua estão.
Onde estamos? Para onde vamos? É a pergunta que se fez quando governo e alguns movimentos se reuniram. Sem resposta. O movimento tem muitas cabeças, milhares de pés, e uma montanha de indignação. Em Belo Horizonte, o pretexto para a tentativa de controle é o futebol, a infeliz subserviência à legião de invasores reunida sob a bandeira da Fifa. O entorno do estádio tornou-se território estrangeiro (desrespeitado, na versão Blatter). Em São Paulo, a ocupação da Paulista prejudicaria o fluxo para hospitais, supostamente de portas abertas (aos usuários do SUS?).
Se não sabemos bem onde estamos, também não sabemos para onde vamos. E nos dedicamos a imaginar possíveis desdobramentos da reação popular às muitas causas de indignação, transformadas em causa, nas redes sociais e nas ruas. A disposição das pessoas parece clara: a cada dia crescem os manifestantes e o rol da indignação. Na rua, aqueles que tentam desfraldar bandeiras de partidos políticos são rejeitados: o sistema político e seus partidos estão no banco dos réus. Como no Fórum Social Mundial, que reúne grupos com propósitos e estratégias diversificados, aperfeiçoa-se a metodologia de ação, e a “causa” se forma, a cada passo, com a caminhada das causas.
A postura dos governantes mudou. Arrogância e indiferença foram rapidamente substituídas por elogio e reconhecimento da legitimidade dos movimentos. Sinal que perceberam algo, e preparam algum tipo de resposta. O sistema, como sua “mão invisível”, responde por meio da comunicação de massa: as imagens de confrontos isolados, força policial, depredação e fogo são exaustivamente repetidas. Quais os próximos passos?
Os movimentos, tanto quanto o governo, tentam ordenar as pessoas. Com finalidades diferentes. O sucesso exige que os poucos radicais sejam contidos. Mais branco. Mais flores. Mais criatividade e humor. Mais samba. Mais pandeiro e tamborim. Não pode passar? Senta, conversa, e transforma as causas na “causa” comum. Basta a redução da tarifa, ou o passe livre? Como eleger prioridades e definir objetivos realizáveis, de interesse comum?
A pauta inclui a PEC 37, síntese do obscuro movimento que tenta amputar o braço investigatório do Ministério Público, beneficiando os corruptos que se apropriaram e se apropriam do dinheiro público. Querem garantir “Ficha Limpa” obstruindo a investigação de seus governos. A agenda do Congresso Nacional torna prioritário seu enfrentamento, o sonoro NÃO à impunidade.
Tudo está interligado. Estamos todos no mesmo busão.