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Remoção: Justiça distributiva no acesso aos cargos

As regras sobre movimentação horizontal na carreira do Ministério Público, por meio de remoção, encontram-se em discussão. Uma sucessão de situações reputadas injustas, decorrentes do volume crescente de remoções e da generalização de entendimentos tradicionais, a situações novas, provocou uma releitura das regras que tratam da matéria e tem suscitado polêmica na busca da solução para sua integração e aplicação.

Somos centenas de membros no Ministério Público estadual, ocupando cargos fixados em todo o território de Minas Gerais. Aos cargos correspondem funções, necessárias e relevantes, e a situação geográfica. Ao norte, ao sul, perto do rio, longe do mar, no epicentro de cenários históricos ou cercado por veredas, o território oferece diferentes experiências ao membro ali designado. Apesar da subjetividade inerente à hierarquização entre as situações geográficas – uns, preferem Juiz de Fora, outros, elegem Montes Claros, enquanto muitos entendem não existir lugar melhor que BH – há postos que são mais disputados e – infelizmente – algumas Comarcas estigmatizadas negativamente e por isso rejeitadas. O mesmo se pode dizer em relação às funções. A preferência pela atuação criminal, cível ou especializada é individual, subjetiva, decorrente de influências e aspirações pessoais. Daí a necessidade das regras que definem a forma de acesso aos cargos e funções por meio da movimentação na carreira.

Trata-se de um conjunto de dispositivos que se orientam pelo mito do mérito, que estabelece o acesso inicial por meio de concurso público, e a movimentação subsequente guiada pela alternância entre “merecimento” e “antiguidade”. Há um consenso sobre a necessidade de divisão do trabalho e o entendimento de que a divisão é justa quando nenhum membro ou grupo de membros recebe postos por privilégio de nascimento (nepotismo), amizade (patrocínio), ou por características arbitrárias como raça, etnia ou sexo. A hierarquia “natural”, no sistema positivado, tem amparo em um conjunto de critérios objetivos, atualmente mensurados por meio de conceito emitido pela Corregedoria Geral.

Nesse contexto, podemos dizer que as regras sobre movimentação da carreira se orientam por critérios de Justiça Distributiva, visando garantir igualdade de acesso aos cargos e funções. Assim, na busca do justo acesso aos cargos, acumulamos algumas décadas de experiência no Conselho Superior do Ministério Público, responsável pela interpretação, integração e aplicação das regras que tratam de promoções e remoções.  Não significa que o sistema esteja perfeito, com plena aplicação de critérios objetivos. O aperfeiçoamento tem sido constante e dentro de poucos dias será conhecido o novo sistema de avaliação individual, por meio de conceitos, elaborado pela Corregedoria-Geral. O valor preponderante é a igualdade, que se quer traduzir em critérios objetivos.

Um detalhe, porém, merece redobrada atenção: na época em que foi elaborada a lei, e suas modificações, a movimentação vertical na carreira era bastante rápida, sendo raras as hipóteses de movimentação horizontal. Assim, os problemas ocorridos em movimentações eram preponderantemente problemas com as promoções, e, como consequência, foram estes problemas que determinaram o estabelecimento de conceitos para avaliação por meio de critérios objetivos. Daí a alternância, antiguidade-merecimento, as quintas partes, o sistema de remanescência e o desenvolvimento dos conceitos para avaliação do mérito individual. Nos últimos anos a situação se inverteu e, com o avolumar-se das movimentações horizontais, novos problemas despontaram.

Daí a tese, discutida agora no Conselho Superior, de que a movimentação horizontal deve subordinar-se aos valores, princípios e regras da movimentação vertical. Deve estar em sintonia com seus critérios de justiça. Quando a interpretação das regras da movimentação horizontal resulta na violação do sistema de justiça distributiva estabelecido para a movimentação vertical, a conclusão deve ser rejeitada, por ser contrária ao sistema.

O resultado foi precedido por uma longa discussão, que passou por argumentos voltados à busca da interpretação autêntica (vontade do legislador), da interpretação literal e gramatical e da interpretação teleológica e sistemática. Prevaleceu a interpretação que privilegia a igualdade, como valor, no acesso aos cargos do Ministério Público.Em linhas gerais, pode-se dizer que o Conselho Superior do Ministério Público seguiu os cinco passos prescritos por Vicente Raó:

1.       Análise da situação de fato considerada em si e fora da esfera jurídica. O CSMP determinou os objetivos práticos visados pelas regras de movimentação da carreira.

2.       Identificação da norma jurídica que se lhe deve aplicar e até que ponto a situação nela se enquadra. Encerra-se aí o diagnóstico do fato,  iniciando-se o diagnóstico jurídico da situação, qualificando-se, isto é, definindo-se o fato perante o direito.

3.       Crítica da lei, ou crítica formal da lei, ou verificação formal da existência da lei. Tende a apurar as condições de validade, os elementos externos de legitimidade; e a vigência dos preceitos normativos, ou seja, os elementos internos da eficácia das normas jurídicas.

4.       Crítica substancial da norma jurídica, tendo por objeto apuar os requisitos intrínsecos de legitimidade e eficácia das normas jurídicas.

5.       Interpretação e aplicação da lei.

Neste momento, o Conselho Superior decidiu, por maioria apertada (7 X 4), que as remoções estão sujeitas a requisitos temporais. O voto condutor, do Conselheiro Almir Alves Moreira, redundou no entendimento de que “a remoção por permuta entre promotores de comarcas distintas de igual entrância não será cabível quando a última movimentação na carreira de algum dos permutantes tiver ocorrido por remoção voluntária há menos de um ano.”

Preciso, e conciso,o voto do Conselheiro Almir Alves Moreira foi ao ponto:

Os dispositivos legais devem ser interpretados de modo a buscar os valores jurídicos pretendidos pelo legislador, excluindo-se soluções que sejam contrárias ao sistema da norma. E, no caso em tela, se se levarem em conta os dispositivos que guardam relação com o tema, adotando-se, assim, interpretação sistêmica, ver-se-á que o artigo 197 da LC 34/94, na parte em que remete para o artigo 194, veda remoção por permuta quando algum dos permutantes foi removido voluntariamente há menos de um ano.

Afinal, o decurso de tempo exigido para que se possa renovar pedido de remoção por permuta é de dois anos e está previsto no § 1º do artigo 195 da LC 34/94. Isso permite asseverar que o artigo 197, ao determinar que se aplique à remoção por permuta o disposto no artigo 194 – norma que prevê a exigência de decurso de um ano para que se admita nova remoção –, trata, por óbvio, de situação distinta da do § 1º do artigo 195. Não se pode imaginar que o legislador, nos artigos 195, § 1º, e 197 na LC 34/94 – dispositivos que integram a lei desde a sua edição e que mantêm redação original –, tivesse tratado de situações idênticas mas de forma contraditória, prevendo requisito temporal com períodos diferentes (um e dois anos) para a mesma modalidade de remoção.

A propósito, quando o legislador quis dispensar o requisito temporal, ele foi expresso, dispensando-o apenas no caso das remoções internas, na mesma comarca.

Outro ponto importante é que o legislador, preocupado com a possibilidade de a remoção por permuta ser utilizada de forma indevida, deixou claro que ela não seria conveniente ao serviço “quando um dos permutantes estiver às vésperas de aposentadoria, exoneração do cargo a pedido, promoção por antiguidade ou merecimento” (art. 196), e fez isso justamente para evitar manobras que tivessem por finalidade beneficiar exclusivamente determinado permutante, intenção legislativa que deve orientar este egrégio Conselho Superior do Ministério Público na interpretação das normas. Os dispositivos que tratam das remoções não podem ser interpretados sem se atentar para esse objetivo. Devemos nos preocupar não só com o caso ora em exame como também com as repercussões que a interpretação favorável ao pedido possa provocar.

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Publicado às 2 de maio de 2013 por em Ministério Público, Sem categoria e marcado .

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