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Crise, no ápice da carreira, repercute na eleição do Conselho Superior

ANTÔNIO SÉRGIO ROCHA DE PAULA

Coube a mim, como membro eleito do Conselho Superior, a honrosa tarefa de falar em nome dos Procuradores de Justiça, que, hoje, tomam posse neste Colegiado.

Além do Procurador-Geral de Justiça, do Corregedor-Geral do Ministério Público e dos cinco membros eleitos – dois deles estreando no Conselho Superior (os Procuradores Cláudio Varella de Souza e Rodrigo Sousa de Albuquerque) –, a composição do Órgão é completada por quatro integrantes do Colégio de Procuradores como titulares e por nove suplentes, todos escolhidos por antiguidade.

Nos últimos anos, nota-se grande desinteresse na participação em nossos Órgãos Colegiados, especialmente no Conselho Superior. Nas eleições, é frequente ser o número de candidatos igual ao número de vagas oferecidas. Nesta eleição – talvez pela primeira vez na história do Ministério Público mineiro –, apenas cinco Procuradores se inscreveram. Se nada for feito, arrisco-me a dizer que, no próximo pleito, não teremos candidatos inscritos.

 Qual é a razão para esse quadro?

Por que um órgão com atribuições tão relevantes – por exemplo, a revisão do arquivamento do inquérito civil, a formação da lista tríplice para promoção ou remoção dos Promotores de Justiça, a elaboração da lista sêxtupla para os tribunais, a eleição da Comissão de Concurso, a decisão sobre a permanência de membro do Ministério Público em estágio e seu vitaliciamento, a aplicação de penalidades mais graves, entre outras – não tem despertado o interesse dos Procuradores?

 A causa imediata – adotando-se a terminologia processual – é de fácil intuição: o volume crescente de inquéritos civis, de procedimentos administrativos e de estágios probatórios recebidos a cada ano pelo Conselho Superior, aliado à carga normal de trabalho dos Procuradores de Justiça, talvez constitua o maior fator de desestímulo.

É impossível – e falo isso com a experiência de cinco mandatos neste Colegiado – analisar os casos com o cuidado devido. Os debates são raros. As decisões monocráticas são privilegiadas e, se não fosse o trabalho intenso da diligente Assessoria, o Órgão, há muito, estaria paralisado.

A dedicação exclusiva ao Conselho Superior – medida defendida recentemente por quase todos os candidatos ao cargo de Procurador-Geral de Justiça –, embora tenha sido rejeitada em outras oportunidades, aparece como solução para o problema.

No entanto, se tal medida ataca a causa imediata da questão, não podemos nos esquecer de que esse desinteresse tem causas mediatas, mais profundas, decorrentes do próprio exercício do cargo de Procurador de Justiça.

Conquanto o Ministério Público tenha avançado em várias áreas de atuação, na Segunda Instância, a Lei Orgânica Nacional pouco, ou nada, evoluiu em relação à revogada Lei Complementar n.° 40/81. Continuam os Procuradores de Justiça com funções residuais, atuando em todas as causas junto aos tribunais que não são da atribuição do Procurador-Geral de Justiça, ou supletivas, atuando em causas de atribuição do Chefe da Instituição, mas por delegação deste.

Esse fato mereceu críticas severas na doutrina. O Professor Hugo Nigro Mazzilli – um dos maiores doutrinadores do Ministério Público Brasileiro – em artigo intitulado  A Atuação do Ministério Público em Segunda Instância,publicado na Revista Plural, ano 14, n.°s 41 e 42, jan-jul. 2010, da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo  e citado na Revista do CNMP v.2, n.° 3, ano 2012, p. 379/380, afirmou que

“não houve a correspondente mudança na metodologia de trabalho e na atuação dos Procuradores de Justiça, pois o Ministério Público estadual continuou dividido em duas instâncias, quase estanques, sem maior sinergia entre si”.

Prosseguindo em suas lições, disse Hugo Mazzilli que

“os membros do Ministério Público são todos verdadeiros Promotores de Justiça, pois os Procuradores nada mais são que Promotores mais experientes. Seu potencial, contudo, ainda é subaproveitado, pois, não raro, os Procuradores se limitam a dar assessoria jurídica aos tribunais, sem assumir posição processual condizente com a causa que trouxe a instituição ao processo […]”.

“O Procurador de Justiça – prossegue o doutrinador – é um Promotor de Justiça da mais alta instância. Deveria ser mais bem aproveitado, e não desestimulado. Enquanto o Promotor é um agente que toma decisões funcionais (se investiga, se propõe uma ação, se interpõe um recurso), já o Procurador é limitado, e no mais das vezes trabalha em casa, não investiga, não colhe provas, não propõe ação, sequer interpõe recursos”.

Estima-se que, com a promoção ao último grau da carreira, os Promotores de Justiça perdem cerca de dois terços de suas funções, o que é verdadeiro contrassenso, porquanto, nessa fase da carreira, como afirma o Conselheiro Cláudio Barros no voto proferido no Processo n.° 935/2007, publicado na citada Revista do CNMP, p. 302, “os membros do Ministério Público alcançam o ápice de sua formulação cultural, a maturidade desejada ao exercício do cargo, a experiência vivenciada nos embates diários das lides forenses, ou seja, quando estão prontos para retribuir a sociedade o que foi gasto no período de formação e amadurecimento”. No entanto, com a promoção ao cargo de Procurador de Justiça – conclui o Conselheiro – “passam a dar pareceres em processos que chegam ao segundo grau já instruídos e que, por vezes, não têm a mínima repercussão social. E o mais grave, não podem fazer mais do que a lei determina, o que leva, muitas vezes, à falta de motivação e à acomodação”.

 “[…] Olho meus companheiros. Estão taciturnos”,

disse Carlos Drummond de Andrade, no poema Mãos  Dadas,  citado no discurso de posse de nosso Procurador-Geral de Justiça –

“mas nutrem grandes esperanças”.

“Entre eles, considero a enorme realidade.

O presente é tão grande, não nos afastemos.

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas” – concluiu o poeta.

Esse espírito de solidariedade, retratado na poesia de Drummond, talvez seja o remédio adequado para combater certa cultura institucional equivocada e pessimista de que não há o que fazer para mudar o formato da atuação em segundo grau.

Nesse sentido, o Conselho Nacional do Ministério Público, ao decidir, em 18.05.2011, o citado Processo n.° 915/2007, Rel. Cons. Cláudio Barros, que versou sobre a Atuação do MP no Segundo Grau, recomendou “às Chefias do Ministério Público que estabeleçam, permanentemente, encontros e discussões sobre o papel do Ministério Público em segundo grau, priorizando esta fundamental função institucional, valorizando a experiência e qualificação de seus membros” (Revista citada, p. 399).

No aludido trabalho do CNMP, o Ministério Público de Minas Gerais é referido como exemplo dos que já iniciaram a especialização na Segunda Instância.

Demos o primeiro passo. Precisamos aprofundar a discussão. O Conselho Superior do Ministério Público – que tem também como competência sugerir a edição de recomendações, sem caráter vinculativo, aos órgãos de execução para o desempenho de suas funções – é foro propício aos debates.

Senhores Conselheiros, vamos juntos nessa empreitada, de “Mãos Dadas”, tendo, no coração, a “Receita de Ano Novo” do  mesmo Drummond – que me foi gentilmente encaminhada por e-mail pela Promotora de Justiça Danielle de Guimarães Germano Arle –, da qual destaco:

 “Para ganhar um Ano Novo

que mereça este nome,

você, meu caro, tem de merecê-lo,

tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,

mas tente, experimente, consciente.

é dentro de voê que o o Ano Novo

cochila e espera desde sempre.”

Muito Obrigado!

Antônio Sérgio Rocha de Paula

18.12.2012

Discurso proferido por ocasião da posse do Conselho Superior do Ministério Público/2013.

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Publicado às 19 de dezembro de 2012 por em Ministério Público, Sem categoria e marcado .

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